Um ano do 12 de agosto de 2019: tentam nos arrancar, mas somos as raízes do Cajueiro

English version below

Viemos aqui para contar, para quem não viu nem ouviu ou se esqueceu, os acontecidos do dia 12 de agosto de 2019. Foi numa segunda-feira. Aquele foi um dia que amanheceu com muita tristeza, covardia, violência e luta. Sem aviso prévio, o Batalhão de Choque da Polícia Militar do Maranhão junto com a empresa TUP Porto São Luís chegou para derrubar 22 casas de famílias do território. Foi muita violência. Gás de pimenta jogado contra quem resistia, inclusive em mulher grávida, gente de idade, crianças. Pessoas que chegavam da rua e viam suas coisas todas jogadas num caminhão e a casa derrubada. O desespero de quem não queria perder sua casa e seus bens sendo tratada com violência e menosprezo. Uma criança chegava da escola para almoçar quando viu sua casa sendo destruída pelos tratores. O Governo do Estado do Maranhão preparou a operação de derrubada e não nos disse a data. Isso nunca se pode esquecer.

Nesse mesmo dia 12, tarde da noite, na porta do Palácio dos Leões, alguns de nós resolvemos dormir ali em protesto após a derrubada das nossas casas; queríamos ser recebidos pelo Governador. Ele disse num discurso no dia da sua primeira posse que aquele palácio não teria leões contra o povo. Mas não foi o que sentimos na pele.

Naquela madrugada fomos brutalmente varridos, como se fôssemos “lixo”. Sob o comando pessoal do Secretário de Segurança Pública, o Choque da polícia militar novamente usou gás de pimenta, balas de borracha e bombas de gás contra nós, que tínhamos sido despejados de nossas casas durante o dia e à noite viramos alvo, como se merecêssemos raiva, e não respeito e solidariedade.

Os policiais, a mando do governador, foram covardes com a gente. Balas de borracha foram usadas para expulsar gente de idade, crianças, mulheres. Pessoas que chegaram para nos apoiar também foram atingidas pelo gás, pelas balas, pelas bombas. Um jornalista popular foi preso. Ele é negro. Foi o único levado para a Delegacia.

Tudo isso aconteceu porque desde 2014 uma empresa paulista resolveu que iria construir um porto em cima de nossa comunidade. Eles já chegaram errado, impondo, destruindo, colocando jagunços para nos intimidar e controlar. Isso foi na época em que Roseana Sarney era governadora e eles tinham todo apoio do Governo do Maranhão. Até Audiência Pública no Comando Geral da Polícia Militar, no Calhau, o Governo fez para impedir nosso protesto e calar nossa voz. Quando veio a eleição e o candidato dela perdeu, nosso coração encheu de esperança de que o novo Governador iria nos apoiar, respeitar nossos direitos e mandar essa empresa de volta para São Paulo.

Nossa alegria durou pouco! Em 2016, o Governo interrompeu os diálogos que vinha tendo com a gente, deu a Licença Prévia para o empreendimento, fez vistas grossas para a denúncia da promotoria de Justiça de que o documento de propriedade da terra apresentado pela empresa é grilado. Licenças e decretos foram feitos pelo governo para agradar a poderosa empresa.

Nesse meio tempo, a empresa paulista se juntou com uma empresa chinesa e a pressão sobre nós cada vez aumentou mais. EM 2019, o Governo fez dois novos decretos de desapropriação de áreas da nossa comunidade para favorecer a empresa.

Um deles, o Governador não teve coragem de assinar e foi o Secretário de Indústria e Comércio que assinou, de forma ilegal, pois a Constituição do Maranhão diz que somente o Governador poderia ter assinado. Parece que o governador ficou com vergonha de assinar decreto de utilidade pública para uma área com crime de grilagem investigado pelo Ministério Público. Com base nesse decreto que defende a grilagem mais 5 casas foram derrubadas no início de 2020.

Desde 2014, estamos resistindo para preservar nosso território e sua natureza, nossas matas e áreas de pesca, nossos quintais e nossas casas. Desde 2014, convivemos todos os dias com a violência, com o desmatamento, com o deslocamento de vizinhos, com a prepotência da empresa, com a cooptação de pessoas pela empresa e pelo Governo, provocando divisões e desentendimentos na comunidade, com o desrespeito aos mais velhos e aos que lutam para manter suas raízes.

Quem somos? Somos raízes do Cajueiro: Joca, Davi, Lucilene, Carlos e Ezequias e lutamos para nos manter fincados em nosso território ancestral. Nós amamos essa terra e, apesar de todas as violências e pressões que sofremos, seguimos resistindo. Fazemos parte da história e da raiz desse lugar e, a partir de hoje, nesse canal e no Instagram @raizesdocajueiro, vamos contar a história silenciada do Cajueiro, suas raízes, suas lutas, suas esperanças.


A year from August 12, 2019: they try to pull us out, but we are the roots of Cajueiro

We have come here to tell, for those who have not seen, heard or forgotten, what happened on August 12, 2019. It was on a Monday. That was a day that dawned with much sadness, cowardice, violence and struggle. Without warning, the Military Police Shock Battalion of Maranhão together with the company TUP Porto São Luís arrived to take down 22 houses of families in the territory. It was a lot of violence. Pepper sprayed against those who resisted, including pregnant women, old people, children. People who arrived from the street and saw their things all thrown in a truck and the house knocked down. The despair of those who did not want to lose their homes and possessions being treated with violence and contempt. A child was coming home from school for lunch when he saw his home being destroyed by tractors. The State Government of Maranhão prepared the demolition operation and did not tell us the date. That can never be forgotten.

That same day, the 12th, late at night, at the door of the Lions’ Palace, some of us decided to sleep there in protest after the overthrow of our houses; we wanted to be received by the Governor. He said in a speech on the day of his first inauguration that that palace would not have lions against the people. But that’s not what we felt.

At that dawn we were brutally swept away, as if we were “garbage”. Under the personal command of the Secretary of Public Security, the Shock of the military police again used pepper spray, rubber bullets and gas bombs against us, who had been evicted from our homes during the day and at night we became a target, as if we deserved anger, not respect and solidarity.

The police, at the governor’s behest, were cowards with us. Rubber bullets were used to drive out old people, children, women. People who arrived to support us were also hit by gas, bullets, bombs. A popular journalist was arrested. He is black. He was the only one taken to the police station.

All this happened because since 2014 a company from São Paulo decided to build a port on top of our community. They have already come wrong, imposing, destroying, putting sicarios to intimidate and control us. This was at the time when Roseana Sarney was governor and they had all the support of the Government of Maranhão. Until a Public Hearing at the General Command of the Military Police, in Calhau, the Government did to stop our protest and silence our voice. When the election came and her candidate lost, our hearts filled with hope that the new Governor would support us, respect our rights and send this company back to São Paulo.

Our joy was short-lived! In 2016, the Government interrupted the dialogues it had been having with us, gave the Preliminary License for the enterprise, turned a blind eye to the accusation by the Attorney General’s Office that the land ownership document presented by the company was shackled. Licenses and decrees were made by the government to please the powerful company.

In the meantime, the São Paulo company has joined with a Chinese company and the pressure on us has increased more and more. In 2019, the government made two new decrees of expropriation of areas of our community to favor the company.

One of them, the Governor did not have the courage to sign and it was the Secretary of Industry and Commerce who signed, illegally, because the Constitution of Maranhão says that only the Governor could have signed. It seems that the Governor was embarrassed to sign a public utility decree for an area with a crime of squatting investigated by the Public Prosecutor’s Office. Based on that decree, five more houses were demolished in early 2020.

Since 2014, we are resisting to preserve our territory and its nature, our forests and fishing areas, our backyards and our homes. Since 2014, we have been living every day with violence, deforestation, the displacement of neighbors, the prepotency of the company, the co-optation of people by the company and the Government, causing divisions and misunderstandings in the community, disrespect for elders and those who struggle to maintain their roots.

Who are we? We are roots of Cajueiro: Joca, Davi, Lucilene, Carlos and Ezequias and we fight to keep our ancestral territory. We love this land and, despite all the violence and pressures we suffer, we continue to resist. We are part of the history and root of this place and from today, in this channel and in Instagram @raizesdocajueiro, we will tell the silenced story of Cajueiro, its roots, its struggles, its hopes.